domingo, 19 de janeiro de 2014

Carta da Semana #10


25 de janeiro de 1992

Querido amigo,
Estou me sentindo ótimo! De verdade. Tenho de me lembrar disso na próxima vez em que tiver uma semana ruim. Já aconteceu com você? Já se sentiu muito mal, depois tudo passar e você não saber por quê? Eu tento me lembrar, quando me sinto ótimo como agora, que haverá outra semana terrível algum dia, então procuro guardar o maior número de detalhes que posso, e assim, na próxima semana terrível, vou poder lembrar esses detalhes e acreditar que vou me sentir bem novamente. Não funciona muito, mas acho muito importante tentar.
Meu psiquiatra é um cara muito legal. É muito melhor do que meu último psiquiatra. Conversamos sobre coisas que eu sinto, penso e me lembro. Como quando eu era pequeno, e aquela época em que andei pela rua no meu bairro. Eu estava completamente nu, segurando um guarda-chuva azul brilhante, embora não estivesse chovendo. E estava tão feliz, porque isso fez minha mãe sorrir. E ela raramente sorria. Então, ela tirou uma foto. E os vizinhos reclamaram.
Da outra vez, eu vi um comercial de um filme sobre um homem que fora acusado de assassinato, mas não havia cometido crime nenhum. Um cara do M*A*S*H era o astro do filme. Provavelmente por isso que eu me lembro dele. O trailer dizia que durante todo o filme ele tentava provar sua inocência, e que ele foi para a cadeia, apesar disso. Fiquei muito assustado. Fiquei assustado com o quanto aquilo me assustou. Ser punido por uma coisa que você não fez. Ser uma vítima inocente. Não quero passar por isso nunca.
Não sei se é importante contar tudo isso a você, mas, na época, achei que foi uma "ruptura". O melhor em meu psiquiatra é que ele tem revistas de música na sala de espera. Li um artigo sobre o Nirvana em uma das consultas, e não havia nenhuma referência a molho de mostarda ou alfaces. Eles ficaram falando dos problemas de estômago do cantor o tempo todo, apesar disso. Era estranho.
Como eu contei a você, Sam e Patrick adoravam sua nova canção, então acho que li o artigo para ter o que conversar com eles. No fim, a revista o comparava a John Lennon, dos Beatles. Contei isso a Sam mais tarde e ela ficou muito irritada. Disse que ele era como Jim Morrison, se fosse parecido com alguém, mas na verdade não era parecido com ninguém, somente consigo mesmo. Estávamos no Big Boy depois do Rocky Horror e começou uma baita discussão.
Craig disse que o problema com as coisas é que todo mundo sempre está comparando todos a todo mundo, e que por causa disso ele não acreditava nas pessoas, como em suas aulas de fotografia.
Bob disse que tudo isso era porque nossos pais não querem que a gente cresça e que eles ficam mortificados quando não podem nos comparar a alguma coisa.
Patrick disse que o problema era que, como tudo já tinha acontecido, era difícil explorar novos terrenos. Ninguém pode ser tão grande como os Beatles porque os Beatles já criaram um "contexto". O motivo de eles serem tão grandes era que não tinham ninguém a quem se comparar, então o céu era o limite.
Sam acrescentou que hoje em dia uma banda ou alguém se compararia aos Beatles depois do segundo disco, e sua própria voz naquele momento se perderia.
― O que você acha, Charlie?
Não me lembro de onde ouvi ou li isso. Disse que talvez fosse de Este lado do paraíso, de F. Scott Fitzgerald. Em algum ponto perto do fim do livro, o protagonista é apanhado por um homem mais velho. Os dois estão indo para a partida de futebol da Ivy League e têm essa discussão. O mais velho é estabelecido. O garoto está "esgotado".
De qualquer modo, eles têm uma discussão e o garoto é um idealista, pelo menos temporariamente. Ele fala de sua "geração insatisfeita" e coisas assim. E ele diz algo parecido com: "Não é uma época de heróis, porque ninguém deixará que isso aconteça." O livro se passa na década de 1920, que eu acho que foi ótima, porque imagino que o mesmo tipo de diálogo pode acontecer no Big Boy. Provavelmente aconteceu com meus pais e avós. Provavelmente estava acontecendo bem agora.
Então eu disse que achava que a revista estava tentando transformá-lo num herói, mas depois alguém descobriria alguma coisa que o tornaria inferior a um ser humano. E eu não sei por quê; para mim, ele é só um cara que escreve canções que muita gente gosta, e acho que isso era o bastante. Talvez eu esteja errado, mas todos na mesa começaram a falar nisso.
Sam culpou a televisão. Patrick culpou o governo. Craig culpou a "mídia corporativa". Bob estava no banheiro.
Não sei o que foi e não sei se acompanhei alguma coisa, mas me senti ótimo sentado ali conversando sobre nosso lugar nas coisas.
Foi igual a quando Bill me disse para "participar". Fui ao baile de ex-alunos, como já lhe contei antes, mas isso era muito mais divertido. Foi especialmente divertido pensar que as pessoas em todo o mundo estavam tendo conversas parecidas em seus equivalentes de Big Boy.
Eu teria dito isso na mesa, mas eles estavam se divertindo sendo cínicos e eu não queria estragar isso. Então, recuei um pouco na cadeira e observei Sam sentada perto do Craig, e tentei não ficar muito triste com aquilo. Tenho de dizer que não tive muito sucesso. Mas, a certa altura, Craig estava falando de algo, e Sam se voltou para mim e sorriu. Foi um sorriso de cinema em câmera lenta, e então tudo ficou bem.
Disse isso a meu psiquiatra, mas ele disse que era cedo demais para tirar conclusões.
Não sei. Só sei que tive um ótimo dia. Espero que você também.
Com amor,
Charlie.

~rod

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