domingo, 24 de novembro de 2013

Carta da Semana #3


14 de outubro de 1991

Querido amigo,
Você sabe o que é "masturbação"? Acho que você deve saber porque é mais velho que eu. Mas, de qualquer forma, eu vou contar a você. Masturbação é quando você esfrega seus genitais até ter um orgasmo. Uau!
Eu pensava que naqueles filmes e programas de teve quando eles falavam de fazer uma pausa para o café, que eles deviam ter uma pausa para a masturbação. Mas, pensando bem, acho que isso diminuiria a produtividade.
Só estou sendo engraçadinho aqui. Eu não quis dizer realmente isso. Só queria fazer você rir.
Eu disse a Sam que sonhei que ela e eu estávamos nus no sofá, e comecei a chorar porque me senti mal, e sabe que ela fez? Ela riu.
Não um riso maldoso, isso não. Um riso caloroso, realmente legal. Ela disse que pensava que eu estava brincando. E disse que estava tudo bem eu ter sonhado com ela. E eu parei de chorar. Sam depois me perguntou se eu a achava bonita, e eu disse que achava que ela era "adorável". Sam, então, olhou bem nos meus olhos.
― Você sabe que é novo demais para mim, não é Charlie? Você sabe disso, né?
― É, eu sei.
― Eu não quero que você perca seu tempo pensando em mim desta forma.
― Eu não penso. Foi só um sonho.
Sam então me deu um abraço, e foi estranho, porque minha família nunca se abraçou muito, exceto minha tia Helen. Mas, depois de alguns segundos, eu pude sentir o perfume de Sam, e pude sentir seu corpo contra o meu. E eu recuei.
― Sam, estou pensando em você daquele jeito.
Ela apenas olhou para mim e sacudiu a cabeça.
Depois colocou o braço em torno dos meus ombros e caminhou comigo pelo corredor. Encontramos Patrick do lado de fora porque às vezes eles não gostam de ir à aula. Eles preferiam fumar.

― Charlie teve uma "charlice" por minha causa, Patrick.
― Ele teve, é?
― Estou tentando não ter ― eu disse, o que fez com que eles rissem.
Patrick então pediu a Sam para sair, o que ela fez, e explicou algumas coisas a mim, assim eu saberia como abordar outras garotas e não perder meu tempo pensando na Sam daquele jeito.
― Charlie, ninguém disse a você como isso funciona?
― Acho que não.
― Bom, tem algumas regras que devem ser seguidas aqui, não porque você queira, mas porque tem de seguir. Entendeu?
― Acho que sim.
― Está bem. Veja as garotas, por exemplo. Elas imitam as mães, as revistas e tudo o que precisam saber sobre como abordar os garotos.
Pensei nas mães, nas revistas e em todo tipo de coisa, e o pensamento me deixou nervoso, especialmente quando isso inclui a tevê.
― Eu quero dizer que não é como nos filmes, em que as garotas gostam de idiotas ou coisa parecida. Não é tão fácil assim. Elas gostam de alguém que possa dar a elas um propósito.
― Um propósito?
― É. Sabe como é, as garotas gostam de caras que representem um desafio. Isso dá a elas um modelo que determina que devem agir como uma mãe. O que uma mãe faria se não pudesse obrigar você a usar fio dental e mandasse você limpar seu quarto? E o que você faria sem o fio dental e as ordens dela? Todo mundo precisa de uma mãe. E uma mãe sabe disso. E isso dá a ela um senso de propósito. Sacou?
― Saquei ― eu disse, apesar de não ter sacado nada. Mas entendi o bastante para dizer "Saquei" sem mentir.
― O caso é que algumas garotas acham que podem mudar os caras. E o engraçado é que, se elas realmente os mudassem, ficariam entediadas. Não teriam desafio nenhum. Você deve dar às garotas algum tempo para pensar em uma nova forma de fazer as coisas, é isso. Algumas resolvem isso rapidamente. Algumas mais tarde. Outras nunca. Eu não me preocuparia muito com isso.
Mas acho que fiquei preocupado com isso. Fiquei preocupado com isso desde que ele falou comigo. Eu via as pessoas de mãos dadas nos corredores e tentava entender como tudo isso funciona. Nos bailes da escola, eu sento n fundo, fico tamborilando com os dedos e imagino como muitos casais dançarão a "sua música". Nos corredores vejo as garotas vestindo as jaquetas dos rapazes e penso no conceito de propriedade. E me pergunto se alguém é realmente feliz. Espero que sejam. Realmente espero que sejam.
Bill me viu olhando as pessoas e, depois da aula, me perguntou no que eu estava pensando, e eu disse a ele. Ele ouviu, concordou com a cabeça e fez ruídos afirmativos. Quando eu terminei, seu rosto mudou para uma expressão de "papo sério".
― Você sempre pensa muito nisso, Charlie?
― Isso é ruim?
Eu só queria que alguém me dissesse a verdade.
― Não necessariamente. É só que às vezes as pessoas usam o pensamento para não participar da vida.
― Isso é ruim?
― É.
― Mas eu acho que participo. Você não acha?
― Bom, você dança nesses bailes?
― Eu não sei dançar bem.
― Está saindo com garotas?
― Bom, eu não tenho carro, e mesmo que tivesse, não poderia dirigir porque só tenho quinze anos, e, de qualquer forma, não conheci nenhuma garota de que gostasse, exceto a Sam, mas sou novo demais para ela, e ela teria de dirigir sempre, o que não acho certo.
Bill sorriu e continuou a me fazer perguntas. Lentamente, ele passou para os "problemas em casa". E eu falei com ele do cara que grava fitas que bateu na minha irmã, porque minha irmã só me disse para não contar à mamãe ou ao papai sobre isso, então eu imaginei que podia contar para o Bill. Ele assumiu uma expressão séria depois que contei a ele, e disse alguma coisa para mim que não acho que vou esquecer nem neste semestre nem nunca.
― Charlie, a gente aceita o amor que acha que merece.
Eu fiquei ali, quieto. Bill deu um tapinha no meu ombro e um novo livro para ler. Depois disse que estava tudo bem.
Em geral, eu vou para casa a pé depois da escola porque faz com que eu me sinta digno de mérito. Quero dizer que quero poder contar a meus filhos que eu ia a pé da escola para casa como meus avós fizeram nos "velhos tempos". É estranho que eu esteja planejando isso, considerando que nunca tive uma namorada, mas acho que faz sentido. Em geral, ir a pé leva uma hora a mais do que de ônibus, mas só vale a pena quando o tempo está bom e frio, como o de hoje.
Quando finalmente cheguei em casa, minha irmã estava sentada numa cadeira. Minha mãe e meu pai estavam sentados de frente para ela. E eu soube que Bill tinha ligado para casa e falado com eles. E me senti péssimo. A culpa foi toda minha.
Minha irmã estava chorando. Minha mãe estava muito quieta. Só meu pai falava. Ele disse que minha irmã nunca mais ia ver o rapaz que tinha batido nela, e que ia ter uma conversa com os pais do garoto naquela noite. Minha irmã então disse que tinha sido culpa dela, que ela o havia provocado, mas meu pai disse que aquilo não era desculpa.
― Mas eu o amo! ― Nunca vi minha irmã chorar tanto.
― Não ama não.
― Eu odeio você!
― Não odeia não. ― Meu pai às vezes podia ser muito calmo.
― Ele é a minha vida.
― Nunca mais diga uma coisa dessas novamente. Nem mesmo para mim. ― Era minha mãe falando.
Minha mãe escolhe suas batalhas cuidadosamente: posso dizer a você uma coisa sobre a minha família. Quando minha mãe diz alguma coisa, ela sempre consegue o que quer. E naquela hora não foi exceção. Minha irmã parou chorar de imediato.
Depois disso, meu pai deu um raro beijo na testa minha irmã. Saiu de casa, foi para o seu Olds mobile e deu a partida. Acho que ele foi conversar com os pais do cara. E eu fiquei com muita pena deles. Dos pais dele, que dizer. Porque meu pai não perde uma briga. Nunca.
Minha mãe depois foi para a cozinha, para fazer a comida favorita da minha irmã, e minha irmã olhou para mim.
― Eu odeio você.
Minha irmã disse isso de uma forma diferente de quando falou com meu pai. Ela quis dizer isso pra mim. Quis mesmo.
― Eu te amo ― foi o que consegui responder.
― Você é um anormal, sabia? Sempre foi anormal. Todo mundo diz isso. Sempre disseram.
― Estou tentando não ser assim.
Depois, eu me virei, fui para o meu quarto, fechei a porta e coloquei minha cabeça no travesseiro. Deixei que o silêncio colocasse as coisas no lugar em que elas deveriam estar.
Por falar nisso, imagino que você deve estar curioso a respeito do meu pai. Será que ele batia em nós quando éramos crianças ou bate agora? Estou achando que você deve estar curioso porque o Bill ficou, depois que eu contei a ele sobre o cara e minha irmã. Bom, se é isso que está pensando, não, ele não bate. Ele nunca encostou um dedo em meu irmão ou na minha irmã. E a única vez em que ele me deu um tapa foi quando eu fiz tia Helen chorar. E depois que nós nos acalmamos, ele se ajoelhou na minha frente e disse que o padrasto dele tinha batido muito nele, e ele decidiu na faculdade, quando minha mãe estava grávida de meu irmão mais velho, que nunca bateria nos filhos. E ele se sentiu muito mal por ter feito isso. E ele estava tão arrependido. E nunca mais bateu em mim de novo. Ele só é duro às vezes.
Com amor,
Charlie.

~rod

Nenhum comentário :

Postar um comentário